Se nossa sociedade tivesse se baseado nas plantas para a construção de suas estruturas e instituições o mundo seria bastante diferente. Essa é a hipótese que Stefano Mancuso defende em seu livro “Revolução das Plantas”, publicado pela Ubu Editora em 2019.
Você já percebeu que somos defrontados constantemente com analogias da “lei da selva” para o mercado de trabalho, para justificar hierarquias, destacando características de competição e para explicar injustiças?
Stefano Mancuso [click e leia um artigo dele, Democracias Verdes, na Revista Piauí] questiona nossa referência no mundo animal para a construção de estruturas decisórias, como se necessitássemos sempre de uma estrutura central, um cérebro, para saber o que fazer, e os demais sistemas devessem receber respostas unilaterais e agir nos conformes. Para mostrar que a natureza não é uma lei da selva à la Wall Street e os sistemas mais funcionais não são os centralizados e hierárquicos, Stefano ressalta o funcionamento e as características do mundo das plantas.
Vamos começar pela nossa individualidade, e seu desvio, o individualismo. Em 1839, o neto de Darwin escrevia que no reino das plantas indivíduos aparentemente diferentes são constantemente encontrados conectados, e a própria gema das plantas (estrutura localizada na ponta dos galhos, com capacidade de se autofazer) pode ser considerada um indivíduo a parte, estruturalmente ligado à sua matriz.
Isso acontece porque as plantas se fizeram a partir da estratégia de sobreviver a qualquer custo em uma condição sésil, ou seja, sem poderem mover-se. Sua necessidade de sobreviver à predação dos herbívoros e a indisponibilidade de recursos conectada à situação de não-movimento condicionou às plantas a espalharem as funções essenciais ao longo de todo o corpo, diferentemente dos animais.
O “sistema nervoso” das plantas é localizado nas rai=ízes, as células com capacidade de se auto-fazerem (células-tronco, rs) estão em todo o caule (em algumas espécies na própria folha), as folhas geralmente guardam a capacidade de alimentação/respiração, em conjunto com a absorção de nutrientes e água, novamente das raízes.
O Revolução das Plantas é um livro que segue o legado de grandes autores que compreenderam o mundo cooperativo e sensível das plantas, como Lynn Margulis e Ana Primavesi, e que popularizam e espalham a curiosidade para um público mais amplo, como os livros A Vida Secreta das Plantas e A Vida Secreta das Árvores (Wohlleben, Editora Sextante, 2015).
O livro de Peter Tompkins e Christopher Bird (1973) influenciou o movimento hippie, foi best-seller por vários anos e descreve experimentos fantásticos sobre a senciência das plantas. Apoie ou financie o Grupo de Estudos em Complexidade para reproduzir o experimento do Polígrafo para teste de sensciênca vegetal. Veja manifesto do Grupo.
Se você acreditava que o meio ambiente era um cenário para os acontecimentos animais, não se engane, os tempos das plantas é que são muito diferentes, mas é um mundo muito dinâmico.
De plantas que “viciam” insetos para trabalharem em seus propósitos com a mistura de alcalóides (como a nicotina, morfina e cafeína) aos açúcares, até espécies de plantas que comprovadamente possuem memória, como a Mimosa Pudica (a planta amada pelas crianças “dormideira”, que se fecha ao ser tocada), o mundo vegetal é interessantíssimo.
Stefano Mancuso dá bastante ênfase na narrativa em primeira pessoa das incríveis histórias do LINV – Laboratorio Internazionale di Neurobiologia Vegetale, com experimentos incríveis com plantas em ausência de gravidade e o desenvolvimento de uma “Jangada Agrícola” produtora de alimentos em alto mar. Pelo tamanho do livro (188p.) e por essa narrativa descontraída, o livro se torna de fácil leitura.
Para aprofundamento na temática que foi tocada rapidamente no livro de que “as plantas são o motor da vida” sem desembocar nas inovações ultra tecnológicas do futuro distópico da necessidade de terraformação de planetas como Marte e os desafios hercúleos de expandir a fronteira agrícola para os oceanos, sugiro a leitura de Into The Cool – Energy Flow, Thermodynamics and Life (Schneider & Sagan, The Chicago University Press, 2005) e O que é vida (Margulis & Sagan, Zahar Editores, 1995).
Vamos aproveitar a crise sistêmica aprofundada pela pandemia para aprender algumas lições com as plantas, fungos, bactérias e vírus. Em detrimento do individualismo meritocrata, das desigualdades e injustiças capitalistas, construamos uma sociedade cooperativa, baseada na abundância, na permanência e convivência sustentável para acolhermos de forma digna os 10 bilhões de seres humanos viventes em 2050. Façamos a Revolução das Plantas!
André Baleeiro, Jardineiro Agroecológico
A Casa de Vidro / Janeiro de 2021
Link: www.acasadevidro.com/revolucaodasplantas
Publicado em: 29/01/21
De autoria: André Baleeiro
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia